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Alternativas econômicas baseadas no Cerrado em pé


O uso predatório e irrefreado do Cerrado não é a única forma de fazer economia. Vamos conversar um pouco sobre a agricultura sustentável, o pagamento por serviços ambientais, as cadeias produtivas da sociobiodiversidade e do ecoturismo



Por Natalia Almeida Brito - do Núcleo de Advocacy, Ações e Parcerias - e João Pedro Gurgel e Silva


Território quilombola Kalunga (GO), onde as comunidades fazem uso do ecoturismo como fonte importante de renda



O Cerrado, o mais antigo bioma do Brasil, com cerca de 65 milhões de anos, abrange um quarto do território nacional, e possui uma história de ocupação por povos originários que remonta pelo menos 11 mil anos. Inicialmente explorado por incursões em busca de ouro, o bioma deu lugar à agricultura familiar e às comunidades tradicionais. Desde os anos 1970, no entanto, políticas governamentais impulsionam a agricultura intensiva e a pecuária extensiva, resultando em desmatamento significativo.


Estima-se que 50% do Cerrado já tenha sido desmatado. Embora o agronegócio tenha se tornado vital para a economia brasileira, respondendo por um quarto do PIB (Produto Interno Bruto) entre 1995 e 2021, sua expansão territorial irrefreada levanta preocupações. Da forma como está, o agronegócio ameaça a biodiversidade, as culturas locais e as paisagens do Cerrado, enquanto contribui para as emissões de gases causadores da mudança do clima. Essa situação, como veremos, vem impulsionando esforços por políticas de conservação e regeneração, fortalecendo uma economia baseada no Cerrado em pé. Aqui, abordaremos pelo menos quatro alternativas para diferentes formas de uso do bioma de maneira sustentável e harmônica.



1. Agricultura Sustentável


A partir de uma abordagem de produção agrícola que visa atender às demandas atuais de alimentos sem comprometer a capacidade das futuras gerações de suprir suas próprias necessidades, emergem práticas que buscam otimizar a produtividade, minimizando os impactos negativos no meio ambiente e assegurando a viabilidade a longo prazo dos sistemas de produção.


A agricultura sustentável, portanto, busca encontrar um equilíbrio entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais do cultivo. Isso significa adotar práticas que não esgotem os recursos naturais, como o solo e a água. Além disso, visa a diversificação das culturas, a conservação da biodiversidade, a redução do uso de produtos químicos, o uso eficiente de recursos naturais, a melhoria das condições de trabalho para os agricultores e o respeito às comunidades locais.


No contexto das mudanças climáticas, a agricultura sustentável também busca se adaptar e mitigar os impactos das variações climáticas, implementando técnicas de manejo que aumentem a resiliência dos sistemas agrícolas e reduzam as emissões de gases de efeito estufa.


A fim de materializar as estratégias delineadas pela Política Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC), foi concebido o Plano para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, amplamente conhecido como Plano ABC, cujo cerne reside no empenho em aprimorar continuamente as práticas conservacionistas e na elevação simultânea da renda dos produtores. Para tanto, a implementação de Recuperação de Pastagens Degradadas (RPD), Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), Sistemas Agroflorestais (SAFs), Sistema Plantio Direto (SPD) e Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN) revela-se ferramenta que fortalece a resiliência dos solos em consonância com as necessidades dos agricultores.


Em paralelo, o Plano ABC pretende conter o desmatamento resultante do avanço da agropecuária, reconhecendo que o desenvolvimento agrícola não deve ser conquistado à custa das florestas nativas. Não se limita, pois, apenas à produção de alimentos, mas engloba uma abordagem holística que considera o bem-estar humano, a saúde do ecossistema e a prosperidade econômica.



2. Pagamento por Serviços Ambientais


A razão antropocêntrica mais importante para se preservar a diversidade biológica é o papel que microrganismos, plantas e animais desempenham no fornecimento de benefícios ambientais, os chamados serviços ecossistêmicos, sem os quais a sociedade, em sua forma atual, não poderia subsistir.


Nesse viés, a implementação do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), instrumento econômico que aspira recompensar financeiramente indivíduos e comunidades que desempenham ações de conservação ambiental, reconhece o valor intrínseco dos processos ecológicos e ciclos biogeoquímicos, de modo que os serviços ecossistêmicos ganham destaque como a base do sistema de pagamento. Logo, quando as ações humanas são direcionadas para a promoção e intensificação dos serviços, abre-se a possibilidade de estabelecer acordos de remuneração.


Funcionando sob o princípio do protetor-recebedor, os produtores rurais são incentivados financeiramente a aderir práticas conservacionistas que assegurem a manutenção dos ciclos naturais. Por meio deste enfoque, ações como a preservação da vegetação nativa e a adoção de práticas agrícolas sustentáveis podem gerar créditos de carbono, incentivando novas formas de uso do solo.


Assim, os agentes do campo tornam-se protagonistas na proteção ambiental, contribuindo para a segurança alimentar, a manutenção dos ciclos hidrológicos e a redução das emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que alavancam a valorização dos serviços prestados pelos ecossistemas do Cerrado, em uma relação de incentivo à geração de renda e cuidado com o bioma.



3. Cadeias Produtivas da Sociobiodiversidade


A valorização comercial dos produtos da sociobiodiversidade no Cerrado busca equilibrar a conservação ambiental com a inclusão social de comunidades tradicionais, que mantêm intrínseca relação com os ambientes naturais. Apesar de sua relevância ambiental e cultural, a produção extrativista não-madeireira ainda representa uma pequena parcela da produção nacional. Aqui, estamos falando, por exemplo, do babaçu, bacuri, baru, jatobá, cagaita, cajá, caju, mangaba, murici, pequi, entre tantos outros cultivos que podem ser processados em produtos alimentícios, bem como para o uso cosmético e medicinal, além de fornecerem insumos para diferentes expressões artísticas.


Iniciativas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) têm promovido a inclusão produtiva dessas comunidades, porém, as cadeias de produção enfrentam desafios de estruturação e acesso aos mercados, ao contrário de produtos amazônicos já estabelecidos, como o açaí e o cupuaçu. Assim, é necessário, ainda, abordar questões legais, logísticas e capacitação empresarial para impulsionar essas atividades e ampliar sua influência comercial.

4. Ecoturismo


Por último, mas não menos importante, uma das principais atividades econômicas baseada no Cerrado em pé tem sido o ecoturismo.


Trata-se de um segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural, incentivando sua conservação e a formação de uma consciência ambientalista, por meio da interpretação do ambiente. Entre os principais destinos encontram-se as áreas abrangidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), da Chapada dos Guimarães (MT) e o Parque Estadual do Jalapão (TO).


No entanto, o ecoturismo pressupõe um processo de planejamento participativo, com integração intersetorial e inserção da comunidade local para contemplar as necessidades de infraestrutura e qualificação profissional para a gestão sustentável da atividade. Há de se destacar, ainda, que além de deslumbrantes paisagens e os mais diversos atrativos aquáticos, o ecoturismo no Cerrado guarda também o potencial de reconhecimento de rico patrimônio cultural, expresso em monumentos históricos e sítios arqueológicos, bem como na distinta culinária e hospitalidade cerratense.



Referências:











Glossário:


Cadeia Produtiva da Sociobiodiversidade: Um sistema integrado, constituído por atores interdependentes e por uma sucessão de processos de educação, pesquisa, manejo, produção, beneficiamento, distribuição, comercialização e consumo de produto e serviços da sociobiodiversidade, com identidade cultural e incorporação de valores e saberes locais e que asseguram a distribuição justa e eqüitativa dos seus benefícios (MMA,2009).


Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (MMA,2009).


Diversidade biológica: Variação entre organismos e sistemas ecológicos em todos os níveis, incluindo a variação genética, morfológica e funcional, a unicidade taxonômica e o endemismo, assim como também a variação na estrutura e função do ecossistema. (RICKLEFS, 2010).


Ecossistemas: conjunto de organismos incluindo seus ambientes físicos e químicos (RICKLEFS, 2010).


Fixação Biológica de Nitrogênio: processo pelo qual o N2 atmosférico é capturado por bactérias e convertido em nutriente utilizável pelas plantas. Bactérias do gênero Rhizobium ou Azorhizobium, que vivem em simbiose com a planta, habitando nódulos em suas raízes são capazes de capturar esse elemento e suprir suas necessidades de nitrogênio, substituindo a adubação nitrogenada. É relevante na redução da emissão de GEEs relacionados à fabricação e ao uso de adubos químicos (EMBRAPA, 2018).


Integração Lavoura-Pecuária-Floresta: trata-se da utilização de diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades (EMBRAPA, 2018).


Manejo: Interferência planejada e criteriosa do homem no sistema natural, para produzir um benefício ou alcançar um objetivo, favorecendo o funcionalismo essencial desse sistema natural (IBGE, 2004).


Produtos da Sociobiodiversidade: Bens e serviços (produtos finais, matérias primas ou benefícios) gerados a partir de recursos da biodiversidade, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares, que promovam a manutenção e valorização de suas práticas e saberes, e assegurem os direitos decorrentes, gerando renda e promovendo a melhoria de sua qualidade de vida e do ambiente em que vivem (MMA,2009).


Recuperação de Pastagens Degradadas: A recuperação da pastagem corresponde a práticas de manejo que restaurem o vigor e a produtividade do pasto, como adubação

baseada em análise química do solo, controle das plantas invasoras e sobressemeadura da espécie já existente no local (EMBRAPA, 2018).


Serviços Ecossistêmicos: Os serviços dos ecossistemas são entendidos como condições e processos através dos quais os ecossistemas naturais e as espécies que os compõem sustentam a vida humana (DAILY, 1997). Eles mantêm a biodiversidade e a produção de produtos como madeira, fibras, alimentos e fármacos (DAILY, 1997), uma vez que o bem-estar de todas as populações humanas do mundo depende diretamente dos serviços fornecidos pelos ecossistemas (TEEB, 2010).


Sistemas Agroflorestais: são sistemas produtivos que podem se basear na sucessão ecológica, análogos aos ecossistemas naturais, em que árvores exóticas ou nativas são consorciadas com culturas agrícolas, trepadeiras, forrageiras, arbustivas, de acordo com um arranjo espacial e temporal pré estabelecido, com alta diversidade de espécies e interações entre elas. Otimizam o uso da terra, conciliando a preservação ambiental com a produção de alimentos, conservando o solo e diminuindo a pressão pelo uso da terra para a produção agrícola (EMBRAPA, 2018).


Sistema Plantio Direto: consiste de um conjunto de práticas que visam conservar o solo e sua cobertura, evitando seu revolvimento excessivo, diferente do que ocorre no preparo

tradicional do solo para o plantio que reduz os teores de matéria orgânica do solo, além de promover exposição e erosão. No sistema de plantio direto, a cobertura de palha da safra anterior é mantida e o intervalo entre a colheita de uma safra e a semeadura da seguinte é reduzido ou eliminado, o que contribui para a conservação do solo e da água, aumento da eficiência da adubação, incremento do conteúdo de matéria orgânica do solo.(EMBRAPA, 2018).


Sociobiodiversidade: Conceito que expressa a inter-relação entre a diversidade biológica e a diversidade de sistemas socioculturais (MMA,2009).


Unidade de Conservação: Espaço territorial e seus componentes, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo poder público, com objetivos de preservação e/ou conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. (IBGE, 2004).




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