Essenciais para manutenção de ecossistemas e produção de alimento mundial, saltitam no Brasil 988 espécies de anuros - são 150 espécies de sapos apenas no Cerrado
por Bruno Eduardo, Cayo Alcântara, Letícia Silva Oliveira, Júlio Campos e Maria Alice dos Santos
A data especial foi criada a fim de reforçar a proteção e apoiar os esforços de conservação aos sapos, pererecas, rãs e jias. Imagem por Vinícius Rodrigues de Souza
Todos os anos, no dia 28 de abril é comemorado o “Dia Salvem os Sapos”. O evento acontece mundialmente e visa conscientizar a população sobre a importância dos anfíbios. Neste ano, A Vida no Cerrado, dando continuidade à iniciativa do Instituto Boitatá e em parceria com a Dacnis, realizou a VI Semana Salvem os Sapos.
Entre os dias 24 de abril e 5 de maio, foram realizadas visitas em escolas municipais, estaduais e particulares de diferentes cidades brasileiras. O objetivo é sensibilizar as comunidades locais sobre a importância dos anfíbios e a conservação do meio ambiente, por meio da educação socioambiental.
O dia 28 de abril também foi palco da mesa-redonda online “Ações práticas para a conservação dos anfíbios no Brasil: Desafios e Soluções”. Nela, participaram a bióloga Marcela Chiabai, idealizadora do Vale das Brumas e vice-coordenadora do núcleo de Advocacy, Ações e Parcerias da OSC A Vida no Cerrado; o biólogo e pesquisador Reuber Brandão; e Gabriel Costa, biólogo e analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Perereca-de-banheiro (Scinax fuscovarius), por Júlio Campos
Por que reforçar a importância de cuidar dos sapos?
Sapos, rãs, pererecas e jias são anfíbios pertencentes à ordem dos Anuros. Populares e abundantes na natureza, são encontrados em todos os biomas do país — saltitam em torno de 988 espécies em terras brasileiras, de acordo com Sociedade Brasileira de Herpetologia. Extremamente dependentes de água, são essenciais no controle da população de diversos invertebrados — insetos, por exemplo —, responsáveis pelo controle de pragas. Compõem a cadeia alimentar de diversos animais, como aranhas, aves, grandes mamíferos e répteis. Caracterizados com espécies bioindicadores, apontam também a qualidade ambiental.
Ao realizar o recorte de espécies de sapos, são cerca de 150 apenas no Cerrado! Desse total, 32% são endêmicas.
Perereca-usina (Boana lundii), espécie endêmica do Cerrado, por Bruno Eduardo
Entretanto, o biólogo e pesquisador Willis Vieira dos Santos Oliveira, em Biodiversidade, Declínio Populacional e Conservação de Anfíbios Anuros no Brasil, contextualiza: “esse número [de espécies de anuros] deve ser relacionado aos registros de declínios e extinções para que se possa compreender sua situação atual”. A mais recente versão do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, de 2018, traz o panorama dos anfíbios: são 18 espécies críticas, 12 em perigo e 11 vulneráveis.
A Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês) alerta que 2.606 espécies estão ameaçadas no mundo. A pesquisa, divulgada em dezembro de 2022, considera o total estimado de 8.536 espécies descritas e 7.486 avaliadas no período avaliado. A partir de análise histórica, a mesma instituição aponta 681 espécies de anfíbios em perigo crítico e, em adição, o The IUCN Red List of Threatened Species, na versão 2022 – 2, indica que o grupo apresenta 41% de suas espécies ameaçadas (variando entre 35, média inferior, e 50%, para superior).
Sapo-apito (Elachistocleis piauiensis), por Bruno Eduardo
Os anuros são essenciais para a manutenção de ecossistemas. Do ponto de vista da pesquisa científica:
A biomassa da anurofauna numa área ainda não destruída pelo homem é superior que a dos répteis, aves e mamíferos que ali vivem, e assim, o extermínio desses animais pode trazer consequências graves para a natureza, afetando os humanos diretamente (JUNIOR; WOEHL, 2008; TOLEDO et al., 2010, apud OLIVEIRA, 2014, p. 4).
Isso significa que a quantidade de matéria orgânica dos anfíbios anuros nestas regiões é superior à de outros grupos animais e a sua extinção poderia levar a desregulação da teia alimentar.
Rã-de-bigode (Leptodactylus mystacinus), por Júlio Campos
Além das importantes funções ecológicas dos anfíbios, como a regulação de ecossistemas aquáticos e terrestres, esses animais apresentam uma diversidade química impressionante em sua pele. A mucosa presente na pele dos anuros, por exemplo, contém uma variedade de substâncias com propriedades antimicrobianas, analgésicas e até mesmo antitumorais. Essas substâncias são produzidas como uma estratégia defensiva contra predadores e patógenos.
A capacidade dos anfíbios de produzir compostos úteis tem sido uma área de interesse crescente na pesquisa. A partir do estudo desses compostos, muitos fármacos foram desenvolvidos. A utilização desses compostos em medicamentos tem sido especialmente importante devido ao aumento da resistência de bactérias aos antibióticos e a falta de novos compostos em desenvolvimento.
Algumas pesquisas já demonstraram que as substâncias presentes na pele de anfíbios têm potencial para o desenvolvimento de medicamentos contra doenças como a malária, a tuberculose e o câncer. Inclusive uma espécie de ocorrência no bioma Cerrado, a perereca-macaco-do-planalto (Pithecopus oreades), tem sido estudada por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) como fonte de um arsenal extremamente complexo de substâncias que podem atuar contra a doença de chagas.
Perereca-macaco-do-planalto (Pithecopus oreades), por Bruno Eduardo
Assim, além de sua importância ecológica, os anfíbios têm se mostrado uma fonte promissora de novos compostos para uso em medicamentos, demonstrando mais uma vez a relevância desses animais para a ciência e toda a sociedade.
Sapo-flecha (Ameerega flavopicta), por Bruno Eduardo
Ameaças explícitas: agrotóxicos e emergência climática
Queimadas, poluição, agrotóxicos, desmatamento e destruição de áreas úmidas — conhecidas como banhados — e de outras paisagens naturais são práticas antrópicas responsáveis pela redução da quantidade de anfíbios. As causas estão associadas, também, às mudanças climáticas e epidemias. Os contextos de Emergência Climática e da flexibilização do uso de agrotóxicos alertam para a importância de estudos ligados à anurofauna e aos impactos ambientais.
Conforme apuração do portal R7, em reportagem de 2019, são 4.644 agrotóxicos autorizados no país, para uso agrícola ou não. Entre os anos 2019 e 2021, foram liberados 1.560 produtos defensivos. “Do total de agrotóxicos liberados, 1.082, ou 23,30%, são considerados extremamente tóxicos à saúde e 117, ou 2,52%, ao meio ambiente”, contextualiza.
Antes da gestão federal do ex-presidente Jair Bolsonaro, o país já caminhava em terras banhadas de pesticidas. Divulgado em 2018, relatório da Humans Right Watch apontou: cada pessoa no Brasil utiliza cerca de 7,5 quilos de agrotóxicos por ano. A afirmação partiu da análise de vendas anuais no país que, até então, giraram em torno de US$ 10 bilhões, com base no Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos de 2018.
O principal pesticida utilizado no Brasil e no mundo é o glifosato. Com o objetivo de analisar os efeitos deste químico em girinos, os pesquisadores Priscilla Rennó Almeida, Marcos Vinicius Rodrigues e Adriana Maria Imperador perceberam que os girinos das espécies Physalaemus cuvieri e Rhinella icterica, após exposição, apresentaram alterações morfológicas de peso e comprimento. O artigo técnico mostra que a primeira espécie é mais sensível ao glifosato do que a segunda e “não houve diferenças significativas em relação às mudanças comportamentais e o aumento das concentrações do formulado”.
Logo na introdução da obra, os autores alertam:
Muitas espécies usam, em parte de seu ciclo de vida, lagoas temporárias e pequenos cursos d’águas adjacentes às áreas agrícolas, onde os agrotóxicos são aplicados, e, muitas vezes, essas aplicações coincidem com o período reprodutivo e desenvolvimento larval (DAVID et al., 2012; HAYES et al., 2010; HOWE et al., 2004). A contaminação de corpos d’água próximos à área de agricultura geralmente aumenta durante a estação chuvosa, período de reprodução da maioria das espécies de anfíbios. Esses poluentes podem estar dissolvidos na água ou associados ao solo, ou a partículas minerais (DAVID et al., 2012; WALKER et al., 2006).
E o que a Emergência Climática tem a ver com isso?
Apurar cientificamente os impactos das mudanças do clima na experiência ecológica dos anfíbios requer tempo. Realizado pelo Museo Nacional de Ciencias Naturales (MNCN) e o Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), o estudo “Monitoramento de longo prazo de uma comunidade de anfíbios após a extirpação de espécies causadas por mudanças climáticas e doenças infecciosas” (traduzido do inglês e lançado em 2018), é um dos poucos materiais disponíveis que analisam seus efeitos prolongados na anurofauna.
A pesquisa acompanhou nove espécies de anfíbios na Serra de Guadarrama (Espanha) durante 18 anos, a fim de observar suas evoluções populacionais, conforme a variação da temperatura e a possibilidade de infecções letais — no caso, pelo patógeno quitrídio. O estudo mostra que a temperatura influencia de forma mais geral as espécies e, significativamente, interfere de maneira benéfica na maior parte dos anfíbios das montanhas de Peñalara.
Em três das espécies — H. molleri, T. marmoratus e I. alpestris —, o aquecimento interfere positivamente no número das populações. Entretanto, o aumento da temperatura atua em detrimento da R. iberica: sua população foi fortemente reduzida: “até 2006, as contagens de girinos de rã ibérica foram consistentemente superiores a 700, mas, após as contagens, caíram para algumas dezenas de indivíduos”, indica o estudo (tradução).
Nos resultados referentes à variável patogênica, a Alytes obstetricans foi afetada significativamente pela maior incidência de doenças emergentes — a espécie apresenta maior sensibilidade à quitridiomicose (Chytridiomycota). O impacto, em andamento, da contaminação é restrito a duas das nove espécies estudadas na comunidade, mesmo que todas sejam infectadas pelo fungo. Esta doença é, inclusive, agravada pelas mudanças climáticas na área montanhosa estudada.
O artigo também levanta possibilidades de pesquisas futuras e previsões, especialmente na relação entre aumento de temperaturas e redução de áreas úmidas temporárias — locais importantes para as larvas dos anfíbios. “Nosso estudo dá suporte a um papel de redução das doenças infecciosas na comunidade e um efeito crescente e atualmente positivo do aquecimento climático”, pontuam. Em complementam, alertamos: “se as tendências de aquecimento continuarem, o efeito positivo se tornará negativo, pois o habitat de reprodução de anfíbios ficará indisponível à medida que os corpos d'água secarem, um padrão que já pode estar em andamento” (traduzido do inglês).
Como relembra Willis Oliveira: “O declínio destes animais pode causar sérios desequilíbrios ecológicos e poderá afetar diretamente a população humana brasileira, sobretudo no que diz respeito à agricultura e produção de fármacos”.
O que cada um pode fazer
Algumas espécies não atraem a simpatia da população, por serem consideradas nocivas, repugnantes ou perigosas — sapos, pererecas e rãs são algumas delas. A falta de conhecimento a respeito da importância ecológica de anfíbios anuros está ligada à cultura de maus tratos, gerando, como consequência, as violências com sal e produtos químicos.
Anfíbios, em geral, apresentam respiração cutânea, ou seja, é por meio da pele que absorvem oxigênio. Sendo assim, eles têm uma relação íntima com a umidade, que permite realizar as trocas gasosas da respiração, absorver água e nutrientes. Quando entra em contato com o corpo do sapo, o sal desidrata e impede a passagem do oxigênio nas células responsáveis pela respiração, causando ferimentos e até uma morte lenta e dolorosa.
Além do requinte de crueldade, a prática pode levar ao extermínio dessas espécies tão importantes para a dinâmica dos ecossistemas.
Referências
ARAGÃO, Francisca Juçara Cavalcante de. A educação ambiental aplicada ao ensino de sapos e cobras na região Amazônica. 2021. 34 f. Monografia (Licenciatura em Ciências Biológicas) – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Campus Manaus Centro, Manaus, 2021.
BASTOS, R. P.; MOTTA, J. A. O.; LIMA, L.P.; GUIMARÃES, L. D. Anfíbios da Floresta Nacional de Silvânia, Estado de Goiás. Goiânia, 2003.
DINIZ-FILHO, J. A. F.; BINI, L. M.; PINTO, M. P.; RANGEL, T. F. L. V. B.; CARVALHO, P.; BASTOS, R. P. “Anuran species richness, complementarity and conservation conflicts in Brazilian Cerrado”. Acta Oecologica, 2006, vol. 29, pp. 9-15.
DIVERSITAS JOURNAL. Santanado Ipanema. AL. Vol.5,n.2,p.814-823,abr./jun.2020. Disponível em: https://diversitasjournal.com.br/diversitas_journal/article/view/726/977
LOPES, REINALDO JOSÉ. Dermasepsina, substância extraída da pele de anfíbio recém-descoberto, consegue matar parasita da doença. Folha de S.Paulo. 2004. Disponível: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0103200401.htm
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