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SOBRE

O quanto estamos vulneráveis no Distrito Federal é uma reportagem digital extensa sobre a posição do Distrito Federal no debate climático. Em três capítulos, conversamos a respeito das emissões no DF, os principais riscos e vulnerabilidades climáticas e a atuação política em busca de justiça climática.

Utilizamos técnicas do Jornalismo Ambiental, de Dados e Literário para construir o projeto. A apuração partiu de dados públicos, atividades de campo e entrevistas online.

Este é o trabalho de Conclusão de Curso de Maria Alice dos Santos em Jornalismo, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, sob orientação da professora, doutora e jornalista Marta Salomon.


Maria Alice é membra do Núcleo de Comunicação e Engajamento na organização da sociedade civil A Vida no Cerrado.

capítulo três de...

O quanto estamos
vulneráveis no Distrito Federal

Na capital federal, riscos climáticos escancaram vulnerabilidade e alertam para urgência na adaptação das cidades e do meio rural

Maria Alice, A Vida no Cerrado. 18 de dezembro de 2023.

Por aparecer no mapa do Brasil como um quadradinho no meio do Planalto Central, sem registro de grandes inundações ou deslizamentos de terras, o Distrito Federal não é um território com destaque no debate das mudanças climáticas no país. Entretanto, a região reúne desigualdades sociais que potencializam as vulnerabilidades decorrentes de eventos extremos associados ao clima, tais como o estresse hídrico, as ondas de calor, os incêndios florestais e os riscos geológicos. 

 

Pegadas nesta terra contam histórias de vulnerabilidade climática.

Gaia pula a janela da pequena casinha - suponho que o espaço seja a despensa agrícola da chácara. Minha atenção se desvia, por segundos, da conversa com Maria Aucineide Silva. É urgente observar a gata preta se aproximar, faceira e alheia aos latidos dos cachorros no canil. Magnetizada, estico as mãos para oferecer carinho à pequena divindade.
 
O ar tem cheiro de vento e bolo de laranja.
 
Gaia, em homenagem à deusa grega Mãe-Terra. Evoco sua memória para escrever uma reportagem cuja alma é a Terra, sua homônima, e o corpo é o Cerrado, seu ancião. Não poderia esquecer nem se quisesse, porque carrego retinas gêmeas às de Ailton Krenak, quem diz:
 


 
 
É a Natureza do Distrito Federal, por meio de suas pessoas, histórias, memórias e cores, que guiará esta reportagem pela terra vermelha.

Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja  natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza. 

Campo no Lago Oeste, na Chapadinha, região com forte atividade de agricultura familiar.*

*Todas as imagens sem créditos são de nossa autoria.

capítulo três

(eco) memória e política

O ônibus rural que passa no Assentamento 15 de agosto despertou memórias de um tempo em que eu esperava pelo transporte, na área rural de Ceilândia. Eu, Maria Alice, ficava em uma parada de ônibus bem improvisada - apenas um banco debaixo de uma árvore, diferente da parada mostrada na imagem, do Assentamento.

As memórias de infância da coordenadora Ivanete Silva, contadas histórias atrás, evocam o passado e o presente do Distrito Federal.
 
Quando Brasília foi inaugurada em 1960, a população periférica superava os números previstos no planejamento urbano da capital. Criada em 1971, Ceilândia foi o destino no processo de remoção dos habitantes das vilas operárias que foram se formando ao redor da capital da Esperança Brasília. Uma delas é a Vila do IAPI - de caráter provisório, assim como as outras, que mal nasceram e já precisavam morrer.
 
A terra vermelha das erosões nas lembranças de Ivanete é a mesma terra testemunha dos eventos extremos associados ao clima no Distrito Federal. Falar das vulnerabilidades climáticas nas regiões administrativas e nas áreas não oficializadas é também falar de injustiça e racismo ambiental.
 
O termo injustiça ambiental parte da percepção social, política, cultural e econômica de que determinados grupos de pessoas são vulnerabilizados ambientalmente, por conta das diversas desigualdades que atravessam a sociedade.

Dois exemplos práticos, trazidos pela organização Politize!, são os crimes ambientais do rompimento das barragens mineiras de Brumadinho (2019) e Mariana (2015). Quando esta última rompeu, os rejeitos da barragem da mineradora Samarco destruíram a cidade de Mariana e poluíram desastrosamente o Rio Doce. Ao menos 19 pessoas morreram e, das vítimas imediatas, 84,5% eram negras. Com o crime em Brumadinho, “os dois bairros mais impactados pela onda de rejeitos tinham como maior parte da população pessoas negras”, explica o texto. 
 
Existem grupos sociais historicamente marginalizados, violentados e vulnerabilizados - e eles estão sofrendo e irão sofrer com maior gravidade as consequências de crimes e desastres ambientais. Dentre eles, estão as populações negras - e cabe recorte de gênero nessa interpretação -, indígenas, tradicionais e ribeirinhas.
 
Em uma perspectiva global, o hemisfério sul - a maioria dos países em desenvolvimento e alvos da colonização pelo hemisfério norte - sofrerá os efeitos das mudanças climáticas mais intensamente, com chances de maior sofrimento. Além disso, a responsabilidade do sul do planeta com relação às emissões de gases é diferente, por questões históricas, incluindo a industrialização. 
 
A injustiça e o racismo climático são aspectos inseridos dentro da noção mais ampla de injustiça e racismo ambiental. Desse modo, as políticas públicas e as ações de governança devem considerar as especificidades contextuais, territoriais e históricas dos espaços. Isso atravessa diretamente a luta pela melhora da condição de vida desses grupos, respeitando-os e garantindo-lhes dignidade. 

Sala de estudos na Casa da Natureza, onde as crianças e adolescentes assistem às aulas de reforço escolar.

Quando Ivanete conta sua experiência e as narrativas que acompanha na Casa da Natureza, suas palavras carregam séculos da vida humana. Os eventos extremos vinculados à mudança climática - enchentes, chuvas torrenciais, enxurradas e ondas de calor - experienciados pelo Sol Nascente e Pôr do Sol fazem a comunidade se posicionar.
 
"Este é um grito da comunidade. Nós percebemos a injustiça que recebemos. Nós da periferia estamos perdendo qualidade de vida e isso é visível. E esses impactos de mudanças climáticas são sofridos com maior intensidade aqui, com certeza. Quando vêm a discussão de elaborar planos de melhoramento das redes pluviais no Distrito Federal, os projetos começam no Plano Piloto. Os programas começam por lá, mas por quê? Se o impacto de lá também cai aqui e, às vezes, muito mais? Essa é uma sucessão de erros que vêm desde da década de 70 e o poder público não aprende".
 
E continua:
 
"É triste, a gente vê cotidianamente como é injusto essa divisão de classe, uma injustiça que também é socioambiental. Na periferia, as discussões e atividades ambientais são motivadas pelo terceiro setor. Infelizmente, a periferia é alvo constante de desinformação. Mas o fomento à educação voltada para preservação, política dos resíduos sólidos e outras informações chegam na contramão. Esse tipo de injustiça é latente no DF". 
 
Consonante ao que a coordenadora socioambiental Ivanete Silva apresenta, Gustavo Baptista reforça:
 
"A ausência de justiça social, a falta de acesso ao serviço de saúde e à educação de qualidade se conjugam e se correlacionam de forma direta a um ambiente saudável, que é o problema debatido pela busca da justiça ambiental e climática. Áreas sem esses acessos estão relacionadas também a populações negras, que sofrem racismo estruturalmente, e estão colocadas em condições de qualidade ambiental ruins também por serem pessoas pretas e pardas".
 
Em Samambaia, a cena desenhada tem formato e som de grito. 

Espaço improvisado onde, provavelmente, uma pessoa em situação de rua descansa.

No Parque Boca da Mata, próximo ao Setor de Oficinas de Taguatinga Sul, pessoas em situação de rua dividem colchões com garrafas plásticas, pneus velhos, descarte de material elétrico, lâmpadas quebradas e ratos. Para além da proteção das nascentes e dos murundus, em casos de incêndios, quem evita o ferimento dessas pessoas pelo fogo? Ou, nos casos menos graves, quem evita o pouco que têm - um colchão improvisado e cobertores sujos - de virar carvão?
 
Quando pensadas justiça ambiental, adaptação climática e formas de manter a qualidade de vida em períodos com eventos extremos associados ao clima, essas pessoas devem ser vistas e terem sua dignidade respeitada. No debate climático, mesmo que o Distrito Federal seja um território pequeno, é necessário direcionar as políticas públicas e práticas de governança climática - dentre elas, adaptação - considerando sua heterogeneidade.
 
"Eu acho que essa é a mensagem que quero passar: não pensar o DF como um bloco de vulnerabilidade de risco climático, mas, sim, como um mosaico bastante desigual de vulnerabilidades e capacidades adaptativas. Isso tem que estar presente na formulação de políticas públicas e na gestão do risco climático na escala do Distrito Federal. Esse ainda é um dever de casa a ser feito. Avançamos nos instrumentos recentes como o Inventário de GEEs e outros projetos, mas precisamos dar o próximo passo, que é entender as especificidades territoriais do DF", sintetiza o professor Diego Lindoso.

Sensibilidade, ciência, governança e políticas públicas: caminhos para adaptação

"A vida na Terra está sitiada", Inicia o coro de diversos cientistas ao redor do mundo no relatório "O estado do Clima em 2023: entrando em território desconhecido". Publicado no final de outubro deste ano, na revista BioScience, o texto continua:
 
"Estamos em um território desconhecido, inexplorado. Por muitas décadas, cientistas nos alertaram constantemente sobre um futuro marcado por condições climáticas extremas causadas pelo aumento das temperaturas globais - consequência da atividade humana em curso, que liberam danosos gases do efeito estufa na atmosfera. Infelizmente, o tempo acabou. Estamos testemunhando a manifestação das previsões enquanto uma sucessão, alarmante e sem precedente, de recordes climáticos estão sendo quebrados - provocando cenas de sofrimento profundamente angustiantes. Estamos entrando em um domínio desconhecido no que diz respeito às mudanças climáticas, o tipo de situação inédita que ninguém jamais experienciou na história da humanidade".
 
O cenário atual exige criatividade radical para criar a futura realidade concreta. Para isso, educação, mobilização social e o fazer político compõem três pontos complexos e essenciais para garantir que a vida humana permaneça na Terra. Distanciando-nos do antropocentrismo, faz parte garantir, também, que outras formas de vida consigam sobreviver. A tríade sugestiva, entretanto, não alcança emancipação sem sensibilidade - ou sem empatia, compaixão e reconexão com a Terra e suas formas de existir.

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Criatividade em busca de novos caminhos.

"Com o AdaptaBrasil, a gente tenta entender um pouquinho sobre o que está levando os municípios às vulnerabilidades climáticas. Esse é o desafio da plataforma e do uso dela. Ela trabalha com informações compostas, para chegar em um índice de vulnerabilidade passamos por uma etapa de construção dos indicadores muito intensa. É importante considerar quais são os fatores influenciadores que levam a essa vulnerabilidade e muito disso é associado à condição social. O acesso ao saneamento básico, à qualidade de moradia e à educação; e também a infraestrutura da localidade. Como também, inclusive, se as pessoas sabem se preparar para os eventos climáticos… Esses aspectos importam e compõem os indicadores", explica Jean Ometto, pesquisador Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e coordenador da plataforma.
 
Ao longo do processo inicial de construção do Adapta, o objetivo foi produzir uma plataforma que ofereça mapeamento de risco, feito a partir do diagnóstico climático presente e projetado para o futuro. Trabalho desenvolvido pela parceria entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Rede Nacional de Pesquisa e Ensino (RNP) e fomentado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o AdaptaBrasil é uma plataforma única no mundo.
 
"Fizemos levantamentos de projetos que já existem e, de fato, algumas fazem o trabalho de análise, mas considerando o tamanho do Brasil, o nível de resolução dos dados e o volume de informações, o Adapta é algo singular, e tem chamado atenção por conta disso também", compartilha o coordenador.
 
No contexto climático, a plataforma é mais uma fonte de informação científica para construção de gerenciamento socioambiental - aspecto basal para adaptar a realidade climática dos brasileiros. Jean Ometto dimensiona o planejamento como essencial para atender a população tanto no momento emergencial quanto na organização para o futuro.
 
Mecanismo político de governança local, a Comissão Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema) é uma ferramenta chave para adaptar as cidades do Distrito Federal. Colegiado de caráter consultivo, deliberativo, recursal e de assessoramento do Poder Público Municipal, é um espaço para pensar o desenvolvimento urbano e a melhora da qualidade de vida da população pelo exercício democrático. 
 
Membra da Comdema de Ceilândia, a coordenadora socioambiental da Casa da Natureza, Ivanete Silva, destaca 2023 como um ano histórico para a mobilização política ambiental no DF: o poder público está a fim de escutar a comunidade.
 
"Neste ano, houve uma movimentação bastante positiva nesse aspecto. Isso veio porque as administrações regionais perceberam os impactos das mudanças climáticas batendo nas portas das nossas casas, das nossas vidas. Existe a necessidade de pensar firmemente nessas questões, fazer ações frequentes voltadas para mitigação, por meio, também, de projetos de educação ambiental que envolvam a comunidade", Ivanete avalia.
 
A ativista ambiental complementa: "Esses projetos devem ser integrados: não adianta considerar a habitação, a saúde e a segurança sem pensar no Meio Ambiente. A Mudança Climática é um vilão para a gente apenas porque nós a transformamos nisso, assim como vilanizamos a Natureza".
 
A partir da governança das Comissões, a articulação de cada Comdema regional representa a construção conjunta de caminhos e soluções sugeridas por pessoas que experienciam a realidade local.

Ivanete detalha:
 
"Por isso, a movimentação ambiental acontecendo pelas Comdemas é muito positiva, é maravilhoso. Ceilândia, hoje, tem sua Comissão de Defesa do Meio Ambiente, e o Sol Nascente está se mobilizando para isso também. As Comdemas são ações conjuntas para discutir essas pautas importantes. Não ficamos só nas conferências internacionais, as quais a população não participa. É bonito pensarmos em soluções locais feitas por pessoas que experienciam a realidade local. Trazer soluções para também sair da imagem de destruição. A solução, dessa forma, vai ser criada por quem experiencia um alagamento ou a falta de acesso ao transporte público".

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Novos caminhos construídos pela diversidade e a sensibilização.

Neste ano, o Distrito Federal estabeleceu sua Contribuição Distritalmente Determinada (CDD-DF), relevante para atestar os objetivos locais de mitigação dos gases de efeito estufa (GEE). Alinhada ao Plano de Mitigação do DF, a Contribuição indica a meta de reduzir em 20% as emissões GEE até 2025 (o ano inicial de contagem é 2013) e em 37,4% para 2030. Ao total, a meta é a redução de 4,8 milhões de toneladas de CO2e até 2030. Cada habitante deixaria de emitir 2,38 tCO2e - o que significa menos 51% da emissão por habitante, comparado ao ano de 2013.
 
A CDD-DF se coloca em uma posição de influenciar os outros municípios do país:
 
"(...) Esta Unidade Federativa convida entidades nacionais e internacionais a apoiarem iniciativas que tenham como referência a CDD. Tais apoios teriam como consequência a ampliação da ambição de outros governos locais e, em decorrência, ampliaria a contribuição nacionalmente determinada do país sob o Acordo de Paris, e contribuiria, ainda, para o cumprimento de metas de mitigação do Brasil", estipula a carta. 
 
A Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal (SEMA - DF) compilou alguns dos instrumentos de governança local. Parte deles tem ligação com o Projeto CITinova, criado em 2018 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e envolve o Planejamento Integrado e Tecnologias para Cidades Sustentáveis, a fim de promover mais sustentabilidade nas cidades brasileiras.
 
Pergunto ao especialista em Vulnerabilidade Climática e Adaptação Diego Lindoso se o Distrito Federal está preparado para lidar com os eventos extremos. Sua resposta entra no “depende”, porque o condicional é outra pergunta: de quais regiões administrativas estamos falando?
 
"Algumas estão mais bem preparadas e outras estão menos bem preparadas. Quando falamos em cidade resiliente, temos que pensar o que é possível dentro das estruturas urbanas que já existem. Temos áreas totalmente urbanizadas, com grande adensamento de casas. Você não vai tirar as pessoas dali para colocar uma praça ou um parque, isso não é justo e nem correto com as pessoas que habitam ali. Então, o caminho é pensar estratégias convencionais. Nas áreas públicas ou passíveis de serem adquiridas pelo governo, em cidades densamente urbanizadas, talvez fosse interessante pensar parques, no sentido das soluções baseadas na natureza". 

Diego resume:
 
"Onde já está consolidado, trabalhar com o que tem. E onde é possível buscar outras estratégias mais alinhadas aos desafios futuros da mudança do clima, seguimos nessa direção. Isso envolve não só obras de infraestrutura, mas também mobilidade urbana, a própria relação cidade e zona rural, em questão de produção de alimentos. Cidade resiliente vai muito mais do que a gestão do risco climático".

Andar com gentileza pela Terra

Onde o Cerrado toca, as marcas ficam para sempre. Fotografia por Laís Menezes.

Em seus vídeos no antigo canal Tese Onze, a socióloga e economista goiana Sabrina Fernandes costuma dizer que é preciso saber navegar o século XXI para não afundarmos no século XXII. A impressão que fica é que o Distrito Federal tem a faca e o queijo na mão para ser uma unidade da federação referência no aspecto adaptativo às mudanças climáticas - um ponto de vista compartilhado por mais de duas pessoas ao longo desta nossa contação de histórias.
 
Quando as projeções indicam redução da umidade do ar, aumento de temperatura, intensificação das chuvas torrenciais - característica de clima semi-árido -, cada pessoa reage de um jeito. Algumas sentem a ansiedade ecológica subir lá em cima. Outras não acreditam na seriedade do assunto. 
 
A Nota Técnica da Secretaria do Meio Ambiente sobre Mudanças Climáticas no Distrito Federal e Entorno, divulgada em 2016, apresenta projeções alarmantes. Alguns dos dados são a estimativa de aumento de 3°C a 3,5°C da temperatura do ar e redução entre 20% e 35% da chuva - para o período de 2041 e 2070. No final do século, 2071 a 2100, o aumento de temperatura atinge valores entre 5°C e 5,5°C e a diminuição da chuva é mais crítica, entre 35% e 45%, apresentando acentuação das variações sazonais. Infelizmente, o cenário (se pessimista ou otimista diante do nível de emissão de GEEs) não foi especificado.
 
Na prática, o que isso significa?
 
"Do ponto de vista ecológico, é o caos. Com a alteração de 1,5° da temperatura média, as mudanças já são significativas na chuva e temperatura, alterando doenças e propiciando ondas de calor…" A pesquisadora e cientista ambiental Ariane Rodrigues inicia a resposta desta complexa questão.
 
"Pensar na redução de chuvas em 35% é inviabilizar a agricultura, gerando impacto na segurança alimentar. Seca mais longa ou, dentro do período chuvoso, um veranico maior. Uma das alternativas é a irrigação, mas entramos num cenário de conflito. Com menos chuva, temos menos água no sistema hídrico de abastecimento. Num cenário de seca longa que pode se prolongar, inclui também a perda de produtividade agrícola", continua.
 
Os riscos e vulnerabilidades climáticas se intensificam e o DF entraria em um efeito dominó de riscos associados à saúde por conta da qualidade do ar e os danos decorrentes do fogo, no exemplo das queimadas.
 
"É um cenário tão caótico que fica difícil pensar em exemplos concretos, porque a variabilidade é muito grande. Fenômenos de seca extrema que aconteciam a cada dez anos podem acontecer a cada dois, por exemplo… É uma mudança radical da forma que vivemos. E, no DF, onde tivemos uma experiência de racionamento d’água, o cenário se agrava, gerando uma mudança de comportamento: o que antes seria ocasional passaria a ser corriqueiro. Falando do meio ambiente, aconteceria a extinção de espécies". Por fim, Ariane verbaliza um desejo ansioso:

"Espero que a gente não chegue nessa realidade".

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Uma das amoreiras na casa de Maria Aucineide (esta não é a do pequeno Yago!)

É impossível não existir ao menos uma história humana sequer em que a Natureza não seja personagem, porque separar o natural do humano não faz sentido.
 
O Yago, netinho de Maria Aucineide Silva, vai lembrar do pé de amora. Os dois filhos de Laura de Jesus são apaixonados por morar no campo. Quando a família precisa ficar um tempo na urbana São Sebastião, o mais novo logo pergunta “quando vamos embora para casa?”.  Para Laura, o trabalho rural exige muito, mas é recompensador admirar a horta pronta para colher.
 
Aonde o Cerrado toca, não tem como esconder a marca.
 
Como, então, devemos reagir diante desta intensa crise climática? Jean Ometto, pesquisador Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), trilha alguns pontos. Ele começa pensando nos tomadores de decisão:
 
"Para os tomadores de decisão, um elemento importante é considerarmos que o clima está mudando. O que está acontecendo na Amazônia não veio da noite para o dia. Especificamente no final do ano passado e começo deste ano, a comunidade científica veio falando do intenso El Niño aquecendo o Atlântico e isso poderia levar a situação de seca séria na região amazônica e chuva forte no sul do Brasil. Então como se monta estratégias de apoio às pessoas que vão ficar vulneráveis a eventos como esses? Apenas se você considera, realmente, que os eventos podem acontecer. Tem que incorporar isso no planejamento público". 
 
"Se a probabilidade de acontecer não for concretizada, não é uma perda. O evento não acontecer não significa uma perda do seu planejamento. Na verdade, evitar impactos nos ecossistemas e na vida social das pessoas já é um trabalho pela sustentabilidade. É algo que precisa ser feito de qualquer jeito. Desde, por exemplo, mapeamento de comunidades isoladas na Amazônia para que se esteja preparado para dar apoio. 'Quanto tempo demora para chegar lá com diferentes meios de transporte para que seja levado água para essas regiões?' Essa é uma das perguntas de planejamento para atender quem está sofrendo com esses eventos". 
 
"Algumas pessoas pensam que o final do século é muito tempo ainda pela frente… Que podemos deixar para pensar depois. Só que não é assim que funciona. É importante pensarmos que os impactos estão aqui, os eventos já estão acontecendo e isso é fato. Mesmo assim, trabalhar pela sustentabilidade não é só falar que o clima está mudando", argumenta Jean. 

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Pitanga do Cerrado, à esquerda, e goiabinha, duas frutas comestíveis habitantes do Parque Boca da Mata (junto com cajuzinhos e muitas outras espécies).

Agora, como nós, pessoas da sociedade civil, podemos reagir? O coordenador do AdaptaBrasil desenha uma forma de caminho.
 
"Pensando em como as pessoas podem se inserir nesse contexto, acho que temos que trabalhar com a difusão da informação. Falamos de educação, que é a base. Uma pessoa ter condição de vida razoável em termos de nutrição, saneamento básico, serviços de saúde e educação faz com que ela se prepare melhor para qualquer coisa, desde um resfriado até um problema de evento climático. No aspecto da educação, a informação é essencial, assim como a luta contra a desinformação. As questões locais também são importantes em vários aspectos, desde arborização urbana para qualidade de vida até oportunidade para as pessoas usarem transportes coletivos. É uma relação transversal".
 
As consequências do que estamos experienciando hoje são complexas e grandiosas.
 
"Um fato que já estamos estudando há trinta anos é que todo o desenvolvimento humano nos últimos cinco mil anos foi relacionado a um determinado padrão climático, que tem altos e baixos. Estamos, hoje, dentro de um período em que esse padrão climático já está em alteração. Onde “se plantando tudo, tudo dá” pode não ser mais assim, porque esse “onde” está sujeito a enfrentar períodos de seca intensa. Como se preparar para isso?", questiona o pesquisador Ometto.
 
A relação criada pela humanidade - de exploração, espaço para um dito desenvolvimento, controle e predação - para com a Natureza é algo que precisa mudar.
 
"Temos que nos reconectar com a Natureza e não é só coisa de maluco que abraça a árvore - mesmo que eu seja. É algo que se relaciona à coexistência com outros seres. Esses são elementos que perpassam desde questões mais filosóficas quanto práticas, em incorporação na realidade. Até no próprio setor agrícola, que é uma das locomotivas da economia nacional", reflete o pesquisador do INPE. 
 
Em consonância com a visão otimista do professor Gustavo Baptista, Jean finaliza:
 
"Acredito que estejamos mudando no comportamento, existem esforços nessa direção. Muitas pessoas estão trabalhando com coisa séria e isso passa por diversas frentes: a perspectiva do mercado - que é meio maluca, mas é importante -; o poder público como regulador; e a sociedade estando informada para conseguir tomar decisões. Acho que isso tudo é um contexto que passa por questões de cidadania até".

Formato de aguagem de plantas feito pelos jovens da Casa da Natureza, para plantar alface sem precisar regar diariamente, como no modo tradicional. Na imagem, o experimento está no berçário.

A reconexão com a Natureza para criar esse mundo adaptado pode começar nas bordas, pela periferia, com símbolos de resistência e resiliência. Um deles é a Lagoinha, em Ceilândia. A Ivanete é a melhor pessoa para contar esta história.
 
"A população aterrava a Lagoinha com entulho de obras, porque achavam que ela atrapalhava. Mas ela já estava lá bem antes da criação da cidade, a mesma cidade que foi construída sem nenhum compromisso de protegê-la. Felizmente, vêm as memórias da importância dela. As pessoas lembram as características do passado, de quando ela era uma lagoa linda, que tinha frutas ao redor, com a biodiversidade latente, mas agora parece mais um poço de lama. Ela é um símbolo de resiliência, ela está lá".
 
Assim como a Lagoinha, é preciso ter coragem. Como a terra vermelha sob nossos pés, símbolo do Cerrado, é preciso testemunhar e criar. Ecoando o mestre Ailton Krenak, é preciso caminhar com gentileza pela Terra.

SOBRE

O quanto estamos vulneráveis no Distrito Federal é uma reportagem digital extensa sobre a posição da capital no debate climático. Em três capítulos, conversamos a respeito das emissões no DF, os principais riscos e vulnerabilidades climáticas e a atuação política em busca de justiça climática.

O projeto se enquadra no Jornalismo Ambiental e Literário. A apuração partiu de dados públicos, atividades de campo pelo Distrito Federal e entrevistas presenciais e online, ao longo de 2023.

Este é o trabalho de Conclusão de Curso de Maria Alice em Jornalismo, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, sob orientação da professora, doutora e jornalista Marta Salomon.

Maria Alice é membra do Núcleo de Comunicação e Engajamento na organização da sociedade civil A Vida no Cerrado.

Todos os gráficos foram produzidos pela autora, assim como as imagens sem crédito destacado.

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